A Trajetória dos irmãos Pavone - por J.C. Pavone

Aqui cabe muito bem aquela expressão "Há males que vêm para o bem", nosso contato com os irmãos Pavone começou devido a um problema com a publicação de sketches aqui no blog e acabou se transformando na oportunidade de contarmos a história deles. Os irmãos Pavone representam o design automotivo brasileiro no exterior com extrema competência concorrendo com os melhores designers do mundo. O José Carlos e o Marco Antônio têm emplacado um projeto atrás do outro, elevando o nome do design brasileiro e nos enchendo de orgulho. Vou parar por aqui para não estragar a surpresa, entendam como eles chegaram onde estão hoje através do texto escrito gentilmente por José Carlos especialmente para o BRoba. Gostaria de agrader ao José Carlos e ao Marco Antônio pela oportunidade de contarmos a história deles e por disponibilizarem esse material para o nosso blog. Certamente muitos serão motivados pelo que está sendo contado aqui.

(texto escrito por Jose Carlos Pavone)

Olá pessoal do Broba.

Tive a felicidade de encontrar o blog de voces , de uma maneira acidental infelizmente, pois alguém postou
de maneira irregular sketches do meu irmao Marco Pavone . A postura do blog e
dos seus participantes foi sensacional, pois mostrou o quanto a intencao de voces é profissional e passional,
pois sem paixao nao se faz nada, muito menos design.

O Victor Samuel me pediu para tentar organizar em um texto, uma síntese da nossa carreira e espero que eu consiga fazer de uma maneira que ninguém caia no sono, pois tenho várias coisas para contar...

A nossa história com design de automóveis comeca como a de qualquer crianca que gosta de desenhar. A vantagem que tivemos, é que por sermos gemeos , fazíamos tudo junto e assim um impulsionava o outro. Desde os rabiscos nas paredes de casa até hoje no centro de design da Volkswagen em Wolfsburg. Sempre fomos muito estimulados por nossos pais, que nos deram muita liberdade para nos tornarmos qualquer coisa na vida,
desde que tivessemos prazer e fossemos felizes na nossa profissao.Certo dia, meu pai nos mostrou um encarte do jornal Estado de Sao Paulo (o estadinho mes ? 1991) com uma matéria com o Luiz Veiga (gerente de Design da VWBrasil) na qual ele explicava como era desenhar o carro dos sonhos. Nessa matéria, ele dizia que também recebia semanalmente cartas de garotos que queriam desenhar carros, ou conseguir um estágio, ou trabalhar na Volkswagen e assim por diante... Essa foi a deixa para preparamos um pacote de desenhos e enviarmos para o Veiga, pedindo mais informacoes sobre a carreira e comentários sobre os desenhos. Semanas depois, ele nos respondeu, e para nossa surpresa estava bastante impressionado com a qualidade dos desenhos, pois tinhamos apenas 12 anos de idade. Aquela carta foi o momento crucial no comeco da nossa jornada rumo ao sonho de nos tornarmos designers. No texto do Veiga, (me lembro até hoje de quase todas as palavras) ele dizia que deveríamos estudar desenho industrial, frequentar exposicoes, museus, aprender ingles, desenhar muito e que logo aprenderíamos a charada das cores, pois nossos desenhos eram todos monocromáticos...Me lembro também do nervosismo com o qual abrimos aquele envelope com o logo da VW, e os dois sketches originais que o Veiga fez para cada um de nós.. Nao eram xerox, eram originais! Passamos meses e meses copiando aqueles sketches, e tentando adivinhar a todo custo que tipo de material era aquele que ele usava, tinha um brilho incrível e deixava as superfícies com aparencia de metal... Demorou algum tempo para entendermos que era apenas marcador, pastel seco e bic preta, e o brilho era o apenas o branco do papel. Anos se seguiram e continuamos o contato com o pessoal do time da VW, hora com o Ghiraldelli, saudoso designer, hora com o Veiga, e as vezes o Fabio Sbrana também mandava alguns desenhos fantásticos pra gente.

Em 1995, com 17 anos de idade, entramos na Universidade Mackenzie, curso de desenho industrial. Sketches de carros embaixo do braco e loucos por contatos ou alguém que nos pudesse abrir as portas do mercado automobilístico. Esses contatos eram o professor Eugenio e o professor Marcelo, que já no primeiro semestre nos deram muita forca. O Eugenio me indicou para uma entrevista na Mercedes Benz em 1996, e quando me apresentei para a entrevista perguntaram o que eu estava fazendo ali, pois eu era apenas estudante do segundo ano, e nao tinha experiencia nenhuma .Experiencia para estágio? Como assim? Perdi a vaga para um rapaz mais (experiente) que tinha feito estágio na Sharp. Seis meses depois fui chamado novamente pela Mercedes Benz para uma entrevista, e finalmente peguei a tao sonhada vaga de estágiário. Em fevereiro de 1997, aos 19 anos de idade eu já tinha dado o meu primeiro passo! No meu primeiro dia de estágio percebi logo que eu nao sabia nada de nada. Os desenhos que eu vi nas paredes eram incríveis, e a impressao de que dias difíceis viriam era forte. Os seis primeiros meses foram péssimos. Eu fazia tudo errado. Era muito novo, achava que sabia desenhar e nao sabia, e mal entendia o processo de um desenvolvimento de um produto. Achei que tinha escolhido a profissao errada. Felizmente as coisas mudaram e aos poucos ganhei mais confianca. Foram cinco anos trabalhando na Mercedes Benz. Desenhei adesivos, auto-falantes, porta-objetos de onibus, cortina divisoria de caminhao, e muitas grades, as quais nunca sairam do papel. Mas também tive a oportunidade de trabalhar tres meses no estúdio de veículos comerciais na Alemanha em 1999, e algumas semanas no estúdio da Freightliner Trucks em Portland, Oregon e conhecer muita gente talentosa também. Em 1998 o meu irmao Marco ingressou no programa de estágio da Volkswagen, e lá passou doze meses (sem remuneracao nenhuma) aprendendo a desenhar carros. Ao final do estágio, ele se juntou a mim na Mercedes Benz, por onde trabalhou um ano comigo até ser novamente convidado pelo Gerson Barone para retornar à VW, pois o Joao Marcos (hoje chefe de design da Ford) havia pedido demissao. O Marco desenhou muito na Mercedes, mas o que ficou mesmo foi o grafismo da Ambulancia do Hospital da fábrica, assinado por ele. Tempos difíceis... Nao haviam projetos e o design de veículos comerciais é sempre muito limitado em relacao à investimentos. Motivado por essa necessidade de aprender e fazer, tentei por vários anos uma vaga na Volkswagen. Meu irmao era o link mais fácil que eu tinha com os designers da VW. Certa vez eu pedi trinta dias de férias na Mercedes Benz e trabalhei os trinta dias em casa, das 7da manha as 7 da noite, fazendo um portifolio com carros da VW. Eu tinha sérios problemas com proporcao, pois meus desenhos eram muito verticalizados proporcionalmente, ou seja, precisei treinar muito para que os meus carros nao fossem confundidos com caminhoes...

No inicio de 2002 finalmente consegui um contrato na VW do Brasil. O início foi difícil, o time era muito bom e a concorrencia forte. Eu ainda precisei de vários meses para adaptar o meu traco (Mercedes) para a linguagem Volkswagen. O meu irmao já estava desenvolvendo um excelente trabalho, aprovando o design final da Space Fox e do Gol G4, com muitas idas e vindas ao estudio da matriz na Alemanha, onde os modelos eram finalizados e apresentados. Este contato com os designers da matriz dava a ele mais experiencia e know-how em relacao aos temas de design que eram desenvolvidos aqui em Wolfsburg, e logo eu percebi que aqui era o portal para todo esse conhecimento. Em 2004 tive a minha primeira chance de vir pra cá. Fui convidado pelo Barone para participar de um projeto global como designer de exterior aqui em Wolfsburg por 3 meses. As coisas se extenderam um poquinho e já estou há 5 anos aqui.. Nesse meio tempo, o meu irmao trabalhou quatro meses em Potsdam, no estudio de design avancado da VW. Lá ele desenvolveu com o Veiga as primeiras linhas do Gol G5. . Após 2 anos aqui como funcionário da Volkswagen do Brasil fui contratado como exterior designer da matriz, assim como o meu irmao . Assinamos o contrato no mesmo dia. O trabalho que fiz no novo Golf brasileiro (finalizado aqui) e os carros que o meu irmao fez no Brasil e o constante contato com Oliver Stefani, chefe de exterior do time 1 da fábrica em Wolfsburg ,facilitaram a nossa contratacao em efetivo. Daí em diante conseguimos fazer muito.
Com a chegada de Walter de Silva no comando do design VW e Flávio Manzoni emplacamos várias aprovacoes em diversos projetos. O primeiro foi o novo Polo. Foram desenvolvidos seis modelos full size para o projeto, e na apresentacao final sobraram apenas dois. O meu,e o do meu irmao. O modelo dele foi escolhido para producao, e já está nas ruas da Europa. Depois veio um novo carro, o qual foram clicados spy shots mes passado e algumas fotos já estao na internet. Este desenhamos juntos e já está quase pronto.
O Marco desenhou o conceito up! e o E-up! primeiro show car da VW apresentado por Walter de Silva e eu desenhei o exterior do carro conhecido como NMS, cujo sketch foi apresentado oficialmente pela VW este ano. O mais motivador aqui é a quantidade e a variedade de projetos com os quais podemos trabalhar. Inumeras plataformas, diversos segmentos de mercado e derivativos. Isso faz com que a flexibilidade de um designer seja desafiada constantemente, pois ao mesmo tempo que se desenha uma mini van , se desenha também um sedan D class ou um pequeno roadster. Tive também a grande oportunidade de trabalhar por uma semana no estudio da Lamborghini, apenas produzindo sketches livres para um determinado tema. A grande quantidade de marcas pertencentes ao grupo VW permite esse tipo de oportunidade, assim como encontros constantes com designers da Audi, Skoda Seat e Bentley. O modelo do show car UP! foi confeccionado na Italdesign. O Marco conhceu o mestre Giugiarro e ainda ganhou do mesmo um livro autografado pelo mesmo!

Muito mais esta por vir. Espero que a nossa historia e a de outros tantos designers que atuam no mercado, seja no Brasil ou no exterior possam também ser contadas, e que de alguma maneira incentivem os jovens estudantes e apaixonados por design a conseguirem realizar o sonho de trabalhar numa grande montadora. Estamos aqui para mostrar que tudo é possível, mesmo sem ter estudado em Pforzheim, Los Angeles ou Londres. O que é preciso é muita vontade, muitos sketches todos os dias e estar sempre pronto a aprender. A maior qualidade que um designer precisa ter é saber ouvir. O resto é treino.

Grande abraco a todos e parabéns pelo blog. Continuem assim!

José Carlos e Marco Antonio.